domingo, 5 de julho de 2009

A Menina

E como somos arrancados assim, de repente, daquelas tardes lentas e preguiçosas, naquela casa enorme e ensolarada. De repente, não sou mais ela, a menina deitada no tapete vermelho com um romance na mão e um pacote de bolachinhas na outra mão.
Estou aqui, num lugar inimaginável, até o sol mudou, por que caminhos a gente envereda quase sem sentir, sem pensar, quase por querer. Aquelas lembranças da infância e da adolescência vieram com o sol, como um arrepio no espírito.
A mãe nos fundos da casa costurando, o irmão jogando bola e chegando todo sujo, o frio da noitinha chegando. Como tudo era calmo e lento, como as coisas marcavam, como o sol era bonito, era bonito ver o entardecer no portão da minha casa e imaginar que as nuvens eram montanhas e, ao pé delas, cidades perdidas que eu nunca poderia conhecer.
Eu viajava sem mover um músculo, eu saía do meu corpo com uma música, eu sonhava e sonhava, e a tarde demorava pra passar, como um filme em câmera lenta. E tudo brilhava e sorria, e tudo era desconhecido e claro. E eu sentada a delirar.
E lembro assim de mim. Quase parada, como uma imagem viva em um quadro esquecido. De repente não quero esquecer, não quero perder aquela menina tão sonhadora e pura, com a alma nas mãos e o coração batendo mansinho. Quero levá-la comigo por onde eu for, em todos os anos e momentos que me esperam, levá-la assim, como um arrepio doce e imperceptível, como aquela saudade da minha casa e dos meus parentes, como a pureza que toda a minha vida não poderá tocar.

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